sábado, março 11, 2006

TAXA DE JUROS NO S.F.H.

Extraído do site apriori (www.apriori.com.br/durigan)
Paulo Luiz Durigan *
Para fazer frente à necessidade de recursos para os financiamentos da casa própria, criou-se em 13/09/1966, através da Lei 5107, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS, tendo sido designado o BNH como gestor. Logo em seguida, em 21 de novembro de 1966, com os mesmos objetivos, nasceram, através do Decreto no. 70, as Associações de Poupança e Empréstimo. Com verba cativa e não mais dependente da poupança voluntária, já em 1967, primeiro ano de arrecadação do FGTS, o volume de recursos à disposição do BNH cresceria 483%, mesmo ano em que iniciou-se o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimos - SBPE, agrupando empresas públicas e privadas. Todavia, o aumento considerável dos recursos também trouxe preocupação quanto ao seu retorno, de forma a equilibrar-se o sistema aos juros pagos pelas aplicações no FGTS e nas poupanças populares. Para se evitar o custo político e a redução dos empréstimos às camadas de baixa renda, optou-se por estabelecer uma escala de juros conforme o valor do financiamento, o que, na maioria dos casos, representava o próprio valor dos imóveis adquiridos. A RD BNH 55/1968, que vigorou de 27.11.1968 a 22.10.1969, por exemplo, fixou as seguintes faixas de financiamento, prazos e respectivas taxas de juros: FINANC. EM UPC - TAXA MÁXIMA - PRAZO EM ANOS Até 100 ....................... 4,0 ............. 20 Acima de 100 até 160 .. 5,0 ............. 20 Acima de 160 até 220 .. 6,0 ............. 20 Acima de 220 até 300 .. 7,0 .............. 20 Acima de 300 até 350 .. 8,0............... 20 Acima de 350 até 500 .. 10,0 ............. 20 De lá para cá alterou-se muito esse quadro, inclusive com mudança quanto ao prazo máximo de financiamento, e, em determinado momento, sendo as taxas atreladas à renda do mutuário. No SFH, com respeito à taxa de juros, frequentemente discute-se se: a) ao aplicar o índice de correção dos saldos, o agente também adota a taxa de juros da poupança (0,5% mês)? b) a taxa de juros pode ir além dos 10% ao ano? c) a taxa fixada é a taxa nominal anual ou a efetiva anual; e d) se com a utilização da Tabela Price há capitalização dos juros? Juros da poupança Quanto à primeira questão, que se vê comumente alegada, trata-se de equívoco, pois que a instituição financeira, ao aplicar o índice de correção aos saldos devedores, evidente o faz SEM a aplicação do acréscimo decorrente aos juros da poupança, limitando-se apenas ao indexador. Limite Quanto ao limite da taxa de juros, o art. 6o., "e", da Lei 4.380/64 ("os juros convencionais não excedam de 10% ao ano") e art. 2º. do Decreto 63.182/68 limitam os juros, dentro do Sistema Financeiro Habitacional ao máximo à 10% (dez por cento) anuais. A controvérsia, entretanto, é quanto às leis posteriores e até mesmo regulamentos que alteraram essa taxa de juros. Embora possa se utilizar aqui os mesmos argumentos para a exclusão da Taxa Referencial, isto é, que a Lei 4380/64 fixou os parâmetros principais do Sistema e não foi revogada, estabelecendo, portanto a taxa máxima de 10% (dez por cento), a maior parte dos julgados inclina-se à limitação constitucional de 12%(doze por cento), pois que os órgãos governamentais teriam competência para modificá-la, adequando-a às exigências da economia. Mas não é pacífico, igualmente, a manutenção do limite constitucional, ainda que, ao que parece, resida com aqueles que fixam os juros em 12% os melhores argumentos. Ocorre que a Lei 4595/94 (Lei da Reforma Bancária) não foi recepcionada pelo novo ordenamento constitucional de 1988, ocorrendo em relação a ela o fenômeno da revogação. E, deixando de ter vigência esta lei, a matéria referente aos juros passaram a ser submetidas ao que dispõe o Código Civil e a Lei da Usura. Até mesmo a Súmula 596 do STF, que excepcionava as instituições financeiras do campo de aplicação dessa última lei, perdeu a aplicabilidade, já que foi produzida sob a égide da Lei 4595/64, então revogada. De qualquer forma, mesmo aceitando (para argumentar) a vigência da Lei 4595/94, concluiremos, frente ao que dispõe em seu art. 4, IX, que a limitação das taxas de juros somente poderia ser fixada dentro do que pressupõe a legislação ordinária (Art. 1062 CC), isto é, entre 6% e 12% ao ano, e nunca maior. Vamos além: o parágrafo 3o. do art. 192 da Constituição Federal, que limitou a taxa de juros em 12% ao ano é auto-aplicável, por conter no próprio texto constitucional todos os comandos necessários para sua imediata aplicação, inclusive conceituando o que considera juros reais. Ressalte-se, inclusive, que as normas definidoras de direitos e garantias individuais, independente de sua localização topográfica, tem imediata aplicação (art. 5, 1, CF). Ainda que se diga que o dispositivo acima transcrito depende de auto-regulamentação, tal disciplina jurídica, em nenhuma hipótese poderá dispor de forma que os juros sejam superiores a 12% ao ano – o que torna inócua a alegação. Há de reconhecer que há divergência no âmbito do Supremo Tribunal Federal a respeito da auto-aplicabilidade do §3o. do art. 192 da Carta Magna, por entender que a expressão "nos termos que a lei determinar" remete para a legislação infraconstitucional a definição do que sejam juros reais. Porém, além de tudo o que aqui foi dito, veja-se que a mencionada lei reguladora está prevista no caput do artigo e atinge somente as questões elencadas nos incisos (I a VII). O parágrafo 3o. trata de questão totalmente desvinculada do caput e seus parágrafos. Nestes a Lei Maior contém disciplina do Sistema Financeiro Nacional, determinando que a lei infraconstitucional deverá dispor sobre sua estrutura e funcionamento, enumerando os casos que necessitam de regulamentação. Os juros, portanto, estão disciplinados em parágrafo que tem conteúdo de autonomia. Se o constituinte quisesse submetê-los à lei complementar, tê-lo-ia inserido num dos incisos. Taxa legal No que tange à questão se a taxa legalmente exigível é a efetiva anual ou a nominal anual, entendo ser esta última. O que se constata, na prática, é o seguinte artifício: tomando por exemplo a taxa nominal de 10% a.a., o agente financeiro simplesmente a divide por 12, encontrando a taxa proporcional mensal de 0,833333% que, capitalizada mensalmente, acumula ao final de doze meses o percentual de 10,47%, portanto superior à taxa contratada. Parece-me que o correto seria a determinação da taxa equivalente mensal de 0,797414% que, capitalizada mês a mês, acumula no ano exatamente 10%, espelhando, assim, aquela fixada para o financiamento. Aliás, entendendo-se que o limite da taxa de juros é de 10% anuais, tal taxa mensal não poderia ser superior a 0,797414%; e, a se entender o limite como de 12% ao ano, não poderia ser superior a 0,948879% mês. Por vezes os agentes defendem-se alegando que a taxa efetivamente cobrada é a nominal e não a efetiva. Para essa demonstração, dividem a taxa anual por 12 (12 meses) e a multiplicam pelo valor do saldo devedor no mês, para indicar que os juros cobrados foram aqueles referentes à taxa nominal e não à efetiva. Dizem, também, que não há vedação legal a informar qual a taxa de juros efetiva resultante, embora se cobre sempre a nominal. O raciocínio, embora a primeira vista pareça ser simples e definitivo, não é correto: é que em vista das características do empréstimo e o cálculo da Tabela Price, resulta inequivocamente em taxa efetiva anual maior. Anatocismo Continuando, a resposta, enfim, tem a ver com capitalização ou não de juros - e disto vamos à última questão. Ocorre que os empréstimos bancários podem ser, a princípio, na forma de cobrança de juros antecipados, mensais ou ao final do prazo. A taxa de juros deve ser adaptada a cada caso, sob pena de incidir-se em capitalização. Por exemplo, se em financiamento com taxa contratada de 12% ao ano, os juros são exigidos antecipadamente, sua taxa efetiva é muito maior daquela que haveria caso o pagamento fosse mensal; e esta, por sua vez, seria maior se a quitação ocorresse ao final do prazo. No caso do Sistema Financeiro da Habitação ou Hipotecário, a cobrança de juros é mensal, com base no saldo devedor previamente corrigido e excluídas eventuais amortizações anteriores, o que se faz graças à opção pelo Sistema Francês de Amortização. Tal "sistema" fornece nada mais que o valor de uma constante [prestação], a qual liquidaria o financiamento ao final do prazo, com a cobrança mensal de juros. Como se disse, a princípio poderia pensar-se que não há capitalização, posto que os juros são calculados através da obtenção da taxa nominal mensal, a partir da taxa nominal anual indicada em contrato. Porém, algumas perícias revelam que o caso é que toda vez que se faz o pagamento de um encargo mensal estará se ADIANTANDO OS JUROS, já que o prazo do financiamento é de vários anos. Assim, para podermos detectar qual a taxa efetiva de juros paga, haveremos de obter essa taxa final a partir da taxa mensal nominal. Em um caso em que a taxa de juros anual, por exemplo, é de 15%, isso implica na taxa efetiva anual de 16,075451%, conforme é mesmo declarado nos contratos. Aí já se vê que, efetivamente, há capitalização de juros, os quais se transformam de 15,00% em 16,075451% ano (aliás, basta verificar a fórmula de cálculo do coeficiente para detectar-se a exponenciação). Em um prazo de 60 meses tais juros chegam a 110,7181% (capitalização composta), contra os 75% (capitalização linear) (15 vezes 5 anos), caso fossem pagos somente ao final. Pode-se alegar que contratou-se pagamento mensal de juros, mas isto não implica em dizer que não está havendo capitalização e um acréscimo (aqui na ordem de 35,7181%), com o que foi contratado, no caso, taxa de juros de 75% (isto é, 15% por cinco anos). E isto simplesmente porque para evitar tal cobrança bastaria o Agente utilizar-se, caso, da taxa de juros anual nominal de 11,245% para igualar-se à taxa efetiva de 75% ao final dos 60 meses do contrato, isto é, {[(11,245/1200)+1)^60] = 1,7500}. Além desse fator, se for considerado, como se disse em outro artigo, que ao se aplicar a TR, utilizou-se o agente de dois fatores de remuneração, a aplicação simultânea de taxa de juros implicará novamente em capitalização, fazendo com que taxa vá além da devida. Aliás, não fosse esta a situação de fato, razão alguma haveria para indicar a taxa efetiva nos contratos da casa própria. Confira-se a resposta do Perito Édison Luiz Kruger nos autos 99.0022417-5 da 4a. Vara da Justiça Federal de Curitiba:
Citação:
"Primeiramente, deve ser feita distinção entre o valor dos juros e taxa de juros aplicada. Nos dois contratos pertinentes à presente demanda, o valor dos juros não se incorporou (capitalizou) ao saldo devedor com ulteriores incidências. A cada vencimento, o valor dos juros foi satisfeito, isoladamente ou juntamente com a parcela de amortização. Todavia, a taxa de juros, face ao custo do dinheiro no tempo, tem efeito exponencial, capitalizado. "Em alguns casos, o Agente se utiliza de taxa de juros de 10% ao ano e o restante a título de "Comissão de concessão de crédito". Mas isto não chega a modificar em nada a situação, posto que o cálculo efetivo dos juros sempre se faz pela somatória das duas taxas, voltando-se à situação anteriormente descrita. E a capitalização de juros, como é ressabido, é vedada (art. 4º do Decreto 22.626/33 e Súmula 121 do STF). Dentro desse mar de desconformidade que tem sido os resultados das perícias, somos tentados a acreditar que, na realidade, em face da sistemática de pagamentos (mensal), o que remunera o agente não é a taxa anual nominal, mas sim a anual efetiva. Porém, o fato de constar expressamente do contrato a informação da existência dessa taxa anual efetiva não dá direito à instituição financeira de exigi-la, pois que resultaria em admitir como legal a capitalização dos juros acordados. A sistemática de revisão do contrato, com vias a evitar a aplicação da taxa anual efetiva indicada no contrato, está na cobrança de taxa mensal "x" que resulte em que a taxa anual nominal indicada no contrato seja a efetiva (por exemplo, em caso de taxa de juros anual nominal de 10%, aplicar a taxa mensal de 0,797414% ao invés de 0,83333%). Esta não é a única solução. Outra tem sido dada pela Vara Federal Especializada do Sistema Financeiro da Habitação de Curitiba, adotando o chamado "Método de Gauss". É um procedimento interessante, vantajoso para o mutuário, mas que cria algumas dificuldades na própria formatação e justificação da sentença, situações estas que veremos em outro texto.
* Paulo Luiz Durigan Advogado em Curitiba/PR Currículo: http://www.apriori.com.br/durigan/